sábado, 26 de junho de 2010

a festa


“…O divino e o profano dão ali as mãos, num amplo entendimento. O céu desce um pouco, a montanha sobe mais, e ninguém sabe ao certo a que reino pertence. Com a cuba do estômago cheia e a imagem da Santa espetada na fita do chapéu, um homem sente-se capaz de tudo: de matar o semelhante e de comungar. Ouve-se um padre-nosso e uma saraivada de asneiras ao mesmo tempo. E apaga-se naturalmente do espírito a estrema que separa o mundo real do irreal. Só quem vem de peito feito para cumprir à risca a devo­ção que o traz, seja ela qual for, consegue encontrar pé num tal mar de contradições.”

in "A festa", Novos contos da montanha - Miguel Torga

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quinta-feira, 24 de junho de 2010

o artilheiro

(...)

- Carlos Pinto, um seu criado! O Artilheiro... - proclamou, alto e bom som, no silêncio da sala, o filho do Alma em Pé.

E o Tribunal não pôde deixar de ter um sorriso de simpatia pelo moço que, da pequenez a que fora condenado, atirava à cara carrancuda da justiça aquela grande e poderosa palavra.

- Artilheiro, é boa! - fungava o delegado, a imaginar o que seria uma praça com pouco mais de um metro de altura a manobrar os canhões de Amarante.

Se perguntassem em Malhão o nome do autor de todas as alcunhas que no povo definiam quem tinha definição, ninguém sabia. A crisma nascia anónima e certeira, englobando num, só palavra um mundo de realidades contraditórias, admiráveis e ridículas, bonitas e feias, dignas de indulgência e merecedoras de escárnio. A história humana da terra estava inteira nos apelidos dos seus filhos. João, António, Francisco, Carlos da Lousa ou Joaquim da Fonte individualizavam gente, mas não testemunhavam vida e acção. Já Fogo-Morto, Nalguinhas, Chega-me-Isso e Pé-Tolo exprimiam defeitos e virtudes concretas que todos conheciam. Eram instantâneos onde a aldeia podia ver os seus títeres ao natural. Às vezes o apodo não tinha aparentemente qualquer significação. Lafunfa, por exemplo, não queria dizer nada. E, contudo, nenhuma palavra podia retratar tão completamente a pessoa atarracada, frascária e casamenteira da Gregória.

O portador do cartaz zombeteiro, como uma truta presa no anzol, a princípio saltava e barafustava. A tudo Malhão assistira, nesse capítulo. Zangas, injúrias e tiros, até! O curioso é que daí a pouco tempo a própria vítima se servia desse cartão de identidade, mais explícito e universal.

- Saiba V. S.a que a minha graça é Gabriel dos Anjos... - explicava o interessado, a tentar receber no Banco um cheque que lhe manda o filho do Brasil.

- Acredito. Mas traga., traga um fiador... Ou então arranje uma casa comercial que o abone...

- Talvez V. S.a tenha ouvido falar no Luminárias...

- Ai vossemecê é que é o célebre Luminárias! Mas Isso é outro cantar!... Assine aqui...

Embora a coisa fosse um bocadito amarga e dolorosa, o rabo-leva era tão simples e prático que não havia remédio senão um homem resignar-se. De resto, nem todos se mostravam igualmente sensíveis a estas radiografias cruéis. A maioria aceitava com estoicismo e dignidade o diagnóstico colectivo. E à cabeça do rol desses heróis estava o Artilheiro.

Lapantim, muito teso dentro da roupa, desde pequeno que qualquer coisa na sua pessoa denunciava uma impossibilidade eterna de chegar ao estalão. E um dia a alcunha surgiu, justa por antinomia. O Carlos, porém, não se deixou vencer pela chacota. Foi crescendo até onde pôde, aproveitando os milímetros, e à frente da figura mirrada, confiante e risonho, erguia sempre, como um cartaz identificador, o grande nome que Malhão lhe dera.

Nem mesmo na carta que escreveu à Guiomar, quando o tempo do amor chegou, se esqueceu de acrescentar o epíteto de guerra.

Como não recebeu resposta, meteu no caso a Lafunfa, que tentou amaciar a rapariga.

- Valha-te Deus, mulher! É o céu que to manda!

- O Artilheiro?! Eu queria lá um meio-alqueire daqueles! Quando casar, há-de ser com um homem que me aqueça os pés... Não me fale em semelhante enfezado!

- Olha que é como os outros... - insinuava, maliciosamente, a velha alcoviteira. - Experimenta...

- Experimentar?! - exclamou a desamorável, entre ofendida e pasmada.

- Experimentar, é como quem diz... Não quero que te metas com ele na cama... Atendê-lo, a ver...

Batida e pelada como uma fraga do ribeiro, a Lafunfa era a casamenteira da terra. Por um miçoilo de qualquer coisa, não havia cachopa que não levasse à bebida, nem estola que não atasse a mãos namoradas desavindas. Beata, sempre a pregar moralidade, todo o amor de Malhão passava por sua casa.

- Entra... - sussurrava em tom cúmplice a quem, levemente e a altas horas, lhe batia à porta.

- Sou eu, o Abel... - Pois sim, filho. Senta-te ao lume, que eu vou já...

Aparecia embrulhada no chaile e, a cada lamento do apaixonado, só dizia:

- A grande tola!... Coitada, ainda ninguém lhe mostrou a verdade...

Depois, o Romeu saía, a noite apertava as malhas, e o dia só raiava ao fim de muitas horas de suspiros. Mas logo nessa mesma tarde os olhos da ovelha arisca brilhavam com outra brandura e consentimento.

- Farta de o ver estou eu! - defendia-se a Guiomar com bravura. - Olhe que ele vê-se depressa...

- Enganas-te, filha. Enganas-te... Os homens às vezes parecem uma coisa e são outra. Aquele tenho a certeza que é dos tais... Não fales antes de lhe tomares o gosto...

- Quem a ouvir, há-de dizer que já o provou!... - Na minha idade!... Quem me dera! E com mais duas conversas assim o Artilheiro tinha namorada. Mas como sabia o que a velha lutara para conseguir o sim, e como desejava tirar todas as dúvidas à cachopa, não esteve com demoras. Na primeira altura que pôde, em vez de lhe aquecer os pés, aqueceu-lhe o corpo inteiro.

A rapariga viera ao penso para o gado, à tardinha, a uma hora em que as próprias silvas adormecem brandas nas sebes. E o rapaz, que a viu passar, foi-lhe no encalço. Largou a enxada e o lameiro, e resolveu tratar doutra sementeira.

A primeira facha desatou-se. E, quando a moça se baixou à procura do vincilho, duas mãos ávidas e seguras agarraram-na pelos seios de granito.

- Jesus!

O grito alarmado não queria significar recusa.

Surpresa, apenas. Enleada, morna, submissa, a carne aceitava o abraço e o resto que ele prometia.

- Pode vir gente...

- Quem há-de vir? A porta deslizou nos gonzos e, à branda luz que adoçava o medo, os dois deram-se com toda a força da juventude.

Rijo, só músculos e tendões, viril como um gato ágil, o Artilheiro parecia um raio a varar aquela virgindade. E a Guiomar, se não sentia nos braços um homem do tamanho do Marão, abria-se: inteira à eficiência de uma força sem dispersão, rápida, concêntrica e desfibrada.

- Meu amor... Começava uma verdadeira e pura fonte apenas dentro dela e a inundá-la da única paz que é na vida o remédio de todas as feridas.

- Meu amor... Casta., das funduras da alma, a paixão irrompia pela crosta dos sentidos e aparecia à tona em palavras que as outras horas não deixavam dizer.

O rapaz ouvia confusamente a confissão rendida. E uma alegria de triunfo total irradiava-lhe das fontes a latejar. .

Foi no intervalo de dois beijos que um alarme inesperado os acordou.

- Ó Júlia, não viste por acaso a minha Guiomar? Veio ao feno e nunca mais apareceu...

- Eu não senhor! - Vou espreitar aqui à loja. Está a chave na porta...

Invejoso de tanta felicidade, o mundo vinha desprendê-los dum abraço de comunhão perfeita e lançar o Carlos fora da intimidade que o tornava desmedido.

- Guiomar! Onde raio se meteu o demónio da cachopa?

O Artilheiro estava já escondido debaixo de uma meda de canas, e a rapariga limpava e desenrugava a saia como podia.

- Guiomar! - e o velho e a luz entraram de repelão na loja.

- Meu pai...

Bem que o pé remexia o chão, tentava disfarçar o ninho de felicidade. Patente, natural e denunciadora, a cama daquela hora nunca mais se desfigurava.

- Que estavas tu aqui a fazer? Afogueada ainda, a rapariga não respondeu. Que poderia ela responder? A evidência do que se passara metia-se pelos olhos dentro. Não tinha medo, de resto. Tentara apagar as marcas da sua entrega, mais por um sentimento superficial de pudor do que por íntima vergonha. Se alguma coisa lhe pesava ali era não ter a seu lado, altivo, de cara descoberta, o homem que a possuíra.

Sem querer encarar a verdade, o velho quase lhe pedia que o enganasse.

- Anda, responde! Se fosse uma ou duas horas depois, quando dentro dela não ressoasse já a voz alvoroçada do instinto acordado, talvez pudesse mentir-lhe. Em pleno deslumbramento, não.

- Que quer que lhe responda? Não vê?... Ia caindo o palheiro.

- Ó sua recai Sua galdrona! Seu grande coiro! E quem foi o maroto, o safardana? Onde está, que o mato. Mas

A pequenez do Artilheiro começava a ser um pesadelo no espírito da rapariga. Se ao menos o rapaz pudesse ter saído da loja a tempo, pronto, não ouvia o pai e depois o tempo diria. Agora assim alapardado enquanto ele disparatava, era de desesperar.

E foi então que a Guiomar viu novamente crescer diante dela o homem que a Lafunfa lhe prometera. Antes que as coisas passassem a mais, intrépido, digno, o Artilheiro saiu de dentro da moreia e apresentou-se.

- O maroto sou eu, ti Adriano.

- Ó meu excomungado! Meu ladrão, que te bebo o sangue!

- Não se exalte! Isto tinha de se fazer... Amanhã trata-se dos papéis.

- O que tu merecias, bem sei eu, patife! - espumava o velho, a meter-lhe os punhos à cara e a olhar o feno onde os dois tinham rolado.

- Acalme-se, homem de Deus! Não faça escândalo! Lembre-se que vou ser seu genro... E um genro às direitas, verá. Como vossemecê nunca avezou!

Amainado a custo o temporal, silenciosos, deixaram os três o palheiro. No largo, o pai e a filha foram sós para casa.

- Que te aconteceu? - perguntou a Gaudência, intrigada, ao ver entrar o homem carrancudo.

- Olha, foi esta bácora! Fui encontrá-la fechada na loja com o badana do Artilheiro!...

-- Artilheiro' não! Carlos, se faz favor. Pode-lhe chamar pelo nome... - reclamou a rapariga, já senhora de si e cheia da seiva do namorado.

- Com o Artilheiro! Nem me digas! - Pois, então! De tantos rapazes que havia na terra, só lhe serviu o senhor Artilheiro! E com medo que ele lhe fugisse, deu-lhe a esmola antes do padre-nosso... - Já disse que o tratem pelo nome, com mil diabos! - protestava a Guiomar, indignada, e cada vez mais firme no seu amor.

- Cale-se, sua desavergonhada! Só por escárnio! Se algum dia eu calculei que me caía em casa um fedunças daqueles!

À dor sincera do pai misturava-se a raiva do homem. Sem o Adriano querer, o instinto bruxuleante tinha guinadas de rancor a lembrar-se da facha macia e perfumada de feno, pisada e ainda quente no chão.

O rifão popular é que não podia faltar: casa com a filha do rei, que as pazes eu as farei. A vergonha e os melindres foram passando., a vida continuou, e, quando apareceu o primeiro fruto do matrimónio, a família inteira foi baptizá-lo a Paços.

- Ele sai ao pai? - perguntou, ao vê-los, passar, o Mareante, uma das vítimas amorosas de Guiomar, que não engolia o triunfo do Artilheiro.

- Sai, queres ver? - respondeu a mãe babosa, lorpa, a descobrir o crianço.

- Pois sai, sai, coitadinho!... Ainda há-de vir a ter menos um palmo...

O Mareante era um rapagão como uma torre e o Artilheiro, ao pé dele, parecia um frango. Mas ainda todos, o sogro principalmente, estavam a mastigar a ofensa, já o atrevido tinha uma paulada nas fontes e gemia no chão.

Correu gente, acomoda daqui, ampara dali, e vá lá ninguém estancar a bica de sangue que esguichava do toutiço do desgraçado!

- Um meio tostão daqueles, hein?! - comentava o Sequinho. - Pequenino, pequenino, e por um triz que não lhe punha os miolos ao sol!

Na vila, que só com uma operação de urgência se lhe podia valer. Nada mais que trepanar-lhe a cabeçal

Lá o salvaram, mas no tribunal, depois, é que foram elas! O próprio advogado torcia o nariz. As coisas estavam muito fuscas.

- Bem escusávamos disto, se tu fosses outra! - resmungava o Adriano, com os olhos no genro, muito teso, prestes a sentar-se no banco dos réus. - Olhe lá não lhe caia a pedra de armas! - refilou a Guiomar, cada vez mais orgulhosa do marido.

- Silêncio! Como se chama? E foi então que o rapaz, corajoso e leal, disse escaroladamente ao juiz o seu nome civil e o apelido que Malhão lhe dera. E como o crime não era de morte nem fora premeditado, e há pessoas que entram no coração da gente sem se saber por quê, o magistrado ouviu as testemunhas e a defesa, pensou, pensou, mediu as razões do ofendido, e acabou por aconselhar ironicamente ao Mareante que para outra vez tivesse mais juízo, e não se metesse com homens de brios, de mais a mais Artilheiros!

(...)

Miguel Torga, in: Novos Contos da Montanha
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quarta-feira, 23 de junho de 2010

ending a "fully something"


Tudo acaba... Uma festa, um dia, um verão... Uma vida!!!

Resta aceitá-lo e tirar o máximo partido da sua duração!

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

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Até amanhã camarada...
Céptico mor...
Grande Nobel...
Ilustre da Azinhaga...
Cativante cidadão do mundo!!!
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quarta-feira, 16 de junho de 2010

posso ficar?


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deixa-me estar...
hoje quero aquele tempo que já foi.
esperar os pés molharem-se lá ao fundo da torna, por entre o milho, e gritar bem alto à enxada que se apresse a virar o talhadoiro.

hoje quero transpirar agarrado ao arado preso pelo estímulo da visão futura de uma simples lavandisca que perscruta a terra revelada.

hoje quero adormecer ao som do piar da coruja ali bem na bouça do branca e voltar a acreditar tratar-se de uma raposa que ri de contentamento sobre mais uma vítima da sua malvadez...

deixa-me estar... deixa-me ficar... podes fazer-me companhia...

queres?
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Fotografia e texto: José Eduardo

terça-feira, 15 de junho de 2010

os contos do torga

Nos intervalos entre leituras efectivamente propostas há um livro de arcaboiço considerável que me salva. Os Contos de Miguel Torga são o que de melhor se pode ter à mão. Muitos e bons, de leitura fácil e cativante por nos prender a enredos simples e quotidianos e nos aproximar do Portugal profundo, vão-me entretendo enquanto tarda a próxima ida à livraria...
Precisamente pelo facto de puxarem para si um papel pouco vistoso nos meu dia-a-dia, sinto que devo realçar por cá o valor que realmente têm... são para mim do melhor que há...

Mais abaixo pode ler-se aquele cujo cenário entrei, percorri, observei, ouvi, ajuizei e voltei a sair... há uns minutos atrás...




Destinos
(...)
Foram uns amores singulares, aqueles. No Junho, as cerdeiras punham por toda a veiga uma nota viva, fresca e sorridente. As praganas aloiravam, as cigarras zumbiam, as águas de regadio corriam docemente nas caleiras, e dos verdes maciços de folhas leves e ondulantes, emoldurados no céu, espreitavam a primavera, curiosos, milhares de olhos túmidos e vermelhos. Era domingo. E ele subira por desfastio à velha bical dos Louvados a matar saudades de menino.
- Não dás um ramo, ó Coiso? - perguntou do caminho a rapariga.
- Dou, dou! Anda cá buscá-lo. Pela voz, pareceu-lhe logo a Natália. Mas só depois de arredar a cabeça de uma pernada é que se confirmou.
- Não estás de caçoada? - Falo a sério!
Era bonita como só ela. Delgada, maneirinha, branca, e de olhos esverdeados, fazia um homem mudar de cor.
- Olha que aceito! - E eu que estimo... Tinha já no chapéu algumas cerejas colhidas, reluzentes, a dizer comei-me.
- Não teimes muito...
- Valha-me Deus!... A rapariga atravessou então o valado, entrou na leira e chegou-se, risonha,
- Segura lá na abada... Encandearam os olhos um no outro, ela de avental aberto, ele de rosto afogueado, deram sinal, e a dádiva desceu, generosa e doce.
Vista de cima, a Natália ainda cegava mais a gente. O queixo erguido dava-lhe um ar de criança grande; os seios, repuxados, pareciam outeiros de virgindade; e o resto do corpo, fino, limpo, tinha uma pureza de coisa inteira e guardada.
- Terão bicho?
- Têm agora bicho! Ia-te mesmo dar cerejas com bicho!
Sem querer,, a resposta saíra-lhe expressiva demais. O coração agitou-se um pouco, o instinto, acordado, estremeceu, e os olhos, culpados, fugiram-lhe do rosto da moça e fixaram-se sonhadoramente no céu.
- Bota cá mais meia dúzia. Já que comecei... À medida que se enfarruscava de sumo, a Natália ia-se tomando também num fruto que apetecia colher. Mas recusou-se a vê-la com pensamentos desejosos e atrevidos.
- Segura lá esta pinhoca... Era um lindo ramo que fora buscar à coroa quase inacessível da árvore. As cerejas, libertas da sombra protectora das folhas, tinham-se dado inteiramente ao sol, deixando-se amadurecer por igual, num abandono quente e ditoso.
- Que lindo! - É para que saibas... Concentraram a atenção um no outro, e de tal modo ficaram fascinados, que se ela não dá um grito de aviso, com a oferta vinha o doador também ao chão.
- Cautela!
- Não há perigo. No enlevo em que ficara, o desgraçado até se esqueceu do sítio onde estava.
- Queres mais? - Não, bem hajas... Pôs-se logo a descer, um pouco atarantado por lhe faltarem já as palavras que lhe havia de dizer cá na terra. Ela é que entretanto se escapulira. .- Adeus!...
O namoro, contudo, tinha começado. Sem nunca falarem daquela tarde, sabiam ambos que se amavam e que fora a velha cerdeira bical que lhes aproximara os corações. Pena elo ser o que era: uma natureza tímida, incapaz de um acto rasgado e levado ao fim.
Falavam ao cair da tarde, quando a fresca do anoitecer aligeirava o cansaço das cavas, sem que ninguém reparasse, pois a povoação aceitara já aquela união como um facto natural e acertado - e o rapaz ainda a meio do caminho, atarantado e reticente.
- Que diz vossemecê? - perguntava ele à mãe, à pobre Teodósia, que não via outra coisa na vida senão a felicidade do filho.
- A mim agrada-me... É boa rapariga, e limpa, é jeitosa... - Lá isso... Dizia, e ficava-se calado, indeciso entre o sonho e a realidade.
- Fala à gente! Era sempre a Natália a começar, como no dia das cerejas. Por mais que fizesse, nunca ele se atreveria a dar o primeiro passo. Só quando a rapariga quebrava a distância é que o coitado se abria num contentamento sem medida., tonto e novo como um cabrito. Mas nunca passava de coisas vagas e enternecidas. As palavras concretas magoavam-lhe a boca.
- Ainda não lhe falaste em nada? - Indagava a Teodósia, insárida.
- Não. Mas amanhã... - Ou quererás tu antes que eu lhe diga... ? - Melhor fora! Valha-a Deus! Isso até era uma vergonha!
Lá conhecer os pontos de honra de um homem, conhecia-os ele. A coragem é que não chegava à altura do entendimento.
Infelizmente, a vida não podia parar naquela lírica indecisão. Os meses passavam, as folhas caíam, e outros renovos vinham povoar a terra.
- O João Neca esperou-me ontem à entrada do povo... - começou a Natália, à saída da missa.
- Ah, sim? E depois? - perguntou ele, a sentir o sangue subir-lhe à cara.
- Pediu-me namoro... - deixou ela cair com melancolia.
Era justamente altura de lhe dizer tudo, que a não podia tirar do pensamento, que só quando a levasse ao altar teria paz, que não seria nada no mundo sem os seus olhos verdes ao lado. Mas ainda desta vez o ânimo lhe faltou.
- Bem, tu é que vês... Ele não é mau rapaz... Rasgava-lhe conscientemente o coração com semelhante aquiescência, porque tinha a certeza que desde a primeira hora o amava também. A coragem é que não era capaz doutra coisa.
- Eu queria lá um farçola daqueles! Estou muito bem assim...
Puras palavras de desespero. Tanto ela, que despeitada as dizia, como ele, que culpado as provocara, sabiam que eram o fruto de uma revolta impotente e destinada a morrer.
A pobre Teodósia é que lutava às claras. E dias depois já estava a picar o filho:
- Sabes o que me disseram hoje na fonte? - Que a Natália tem namoro com o João Neca... - respondeu, vencido.
- Nem mais. - Pois tem...
- Já sabias?! Então... e tu? Não a queres? Ou foi ela que te deixou ?
- Eu sei lá o que foi... Dali em diante parecia viver de alma viúva. E a alegria do rosto da rapariga cobriu-se também de um negro véu de desilusão. Passavam um pelo outro e comiam-se com os olhos. Mas nem ele lhe falava no seu amor, nem ela rasgava já a frágil teia de separação.
- Casam-se para a semana... - ia esclarecendo a Teodósia, como um remorso.
- Já sei. - O padre leu hoje os banhos... - Pois leu... Era uma resignação que quebrava a gente, e desarmava. E a velha não encontrava outro alivio senão chorar.
- Morria por ti! - disse-lhe numa manhã, que podia ser de felicidade para os três., e se transformara num pesadelo.
Os sinos tocavam festivamente, ia por toda a aldeia um alvoroço de noivado, e só naquela casa a tristeza se aninhava sombria e desamparada a um canto.
- Também eu gostava dela... Era outra vez Junho, as searas aloiravam já, e nas cerdeiras, polpudas, rijas, as cerejas tomavam uma cor avermelhada e levemente escarninha.
(...)
in: Novos Contos da Montanha, de Miguel Torga.

sábado, 12 de junho de 2010

prazeres sentidos




Comienzos...
Lo que motivó el comienzo fue que las vidas que presencio no merecen el silencio
Fue porque el hiphop apareció del amor entre poesía y ritmo y por las aguas de ese rio mi vida fluyó
0 fue porque en el gusto por competir no hay lugar para el cansancio, qué sé yo
Pero sucedió, pase de ser anónimo a ser casi famoso bajo mínirnos
¿Y acaso eso os conmovió? porque al parecer mi mano en contacto con un micrófono me convirtió en pirómano y Paris ardió,
adiós Paris, adiós, adiós mc's, adiós y usted vaya con Dios
Y si baja por esas calles será mejor que le acompañen uno o dos.
Ay, señor, qué pesada es esta espada que desenvaino con sudor,
la soledad del príncipe sin reino, la soledad del hombre sin calor
¿Será que es porque ya no me peino, ni me preparo,
ni visto raro, ni uso perfumes caros cuando salgo en busca de amor?
Soy el mismo chico educado que con un rap vulgar suena en tu radio cada día,
y que desde el extrarradio ha conquistado a la más alta burguesía,
Pero qué falla, soy yo en esa pantalla, soy yo en esa cola del paro
Comparo mi vida con la tirada de un dado, y sale cero y cero y cero
Y yo sólo espero ser más certero, salir de este agujero en el que estoy atrapado
Soñador, aún duermo con Peter Pan a mi lado,
preguntándome si alguien ahí fuera entenderá a un tipo tan complicado
Pero una extraña fuerza me persigue,
me dice tú simplemente vive, tu simplemente escribe,
Decide en tiempo record y olvida el rencor,
y recuerda lo que el viejo dijo: 'Hijo, en lo que sea, pero el mejor'

domingo, 6 de junho de 2010

a fonte

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Ainda há, na cidade do Porto, belezas como esta bem escondidas !!! Já levava uma boa inclinação... não deve durar muito!


sábado, 5 de junho de 2010

necie's tribute



Esta é a Catarina, uma das minhas sete sobrinhas num total de onze se juntarmos os rapazes. Amo-os a todos por igual e em larga escala a cada um deles. Apesar disso, talvez porque tenha estado a editar umas quantas fotografias suas hoje (o Dinis, seu irmão, é meu afilhado e fez a primeira comunhão), lembrei-me do que faz a Catarina especial... Não é o facto de ser extremamente carinhosa para com o tio pequeno (as outras também o são e porventura algumas até mais)... Nem sequer por ser possuidora de uma capacidade intelectual e erudição muito acima da média (já nos acostumou à banalização de tal e afinal também as outras não lhe ficam atrás)... Poderia porventura ser mas também não é a percepção da sua cândida e natural beleza adolescente bem apreciada nas fotos que publiquei acima... é muito mais do que isso...

A Catarina mostrou recentemente que também sabe tomar as rédeas do controlo emocional familiar ainda que para isso tenha de ter abdicado da ingenuidade juvenil a que tinha direito. E fê-lo obviamente chorando, mas nunca à frente de ninguém...

A fase má passou e ela está aí... sempre bela, inteligente, objectiva... outra vez menina, mas para sempre mulher!

quarta-feira, 2 de junho de 2010